CRÔNICAS
DO FIM DO MUNDO
O
franco observador
César
Fantti
O louco, com pinta de Dom
Quijote de La Mancha e que acredita ser fiscal da prefeitura, sesteia acomodado com a cabeça encostada na grade da loja. Os carros cruzam incessantemente na
via de mão única dando ideia que seus motoristas vão para o mesmo destino.
O vendedor de picolés passa
avisando com seu apito que tem sabores morango, creme, chocolate e uva passa,
mas passa quase despercebido. Já o carro de som passa fazendo propaganda da loja
de colchões. Outro sorveteiro passa sem apitar num carrinho azul, de boné e
avental rotos, e em instantes, todos são passados.
A família de quatro pessoas
com duas meninas nos colos atravessa a via e entra na loja de artigos infantis.
Mais longe, um casal também atravessa a rua empurrando dois carinhos com bebês.
Há um fluxo intenso de passantes na calçada que se cruzam indiferentes.
Um dos gordos que loteiam o
banco levanta e vai pegar um balão roxo dentro da sorveteria para o filho e, ao
abaixar, mostra o cofrinho. O homem bêbedo exibe a lata de cerveja que esvaziou
e com o copo plástico cheio na outra mão grita algo e faz questão de mostrar
que lugar de lixo é no lixo. A mulher sóbria joga o papel do lanche no chão.
O careca de cavanhaque surge
falando ao telefone vermelho (será que é com a Casa Branca?). O homem na Hilux
passa rebocando um barco de luxo. O reciclador que antes pedia esmola cruza
atrás rebocando um carrinho cheio de cartões.
E eu vou parar de escrever
porque o louco que pensa ser fiscal do Calçadão está me olhando com olhar
severo (pode me multar por abusar das palavras). Quando essa Crônica do Fim do
Mundo estiver publicada, todos estarão em seus lugares, cumprindo seus
destinos sem saber que ficaram na mira de um franco observador!