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Diacuí Kalapalo e o desbravador de selvas Ayres Câmara Cunha: do encontro no meio da floresta do Alto Xingu nasceu um amor improvável que superou todos os preconceitos da sociedade brasileira do início da Década de 1950, que não aceitava o romance de um homem branco com uma índia |
Desde
menino, ouvi falar da história da índia Diacuí e o romance com o
sertanista uruguaianense Ayres Câmara Cunha, que comoveu o Brasil
inteiro no começo da década de 1950. Lembro-me que minha irmã
Adelaide Fantti Carrazoni, quando adolescente, era chamada pelo meu
pai Marinho Nunes Fantti, de “Diacuí”, porque tinha o cabelo
liso com franjinha, lembrando a famosa indígena brasileira, da Tribo
Kalapalos, do Alto Xingu.
Quando
comecei a atuar na Imprensa, há mais de 30 anos, tive oportunidade
de conhecer Ayres Cunha em reportagem para a televisão, no Sítio
Thebaida, onde vivia às margens da BR-290, mas nunca me encontrei
com Diacuí. Em 29 de julho passado, o destino me colocou frente a
frente com a filha do sertanista e de sua amada silvícola. Uma
senhora de altura mediana, de rosto magro e cabelos curtos, bem
apessoada e muito diligente a todos com quem conversava.
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Mais de 30 anos depois de conhecer e entrevistar para a televisão o sertanista Ayres Câmara Cunha, tive a oportunidade em julho de 2015 de conhecer a filha legítima dele, do casamento do primeiro homem branco uma uma índia: Diacúi Cunha Dutra, 61 anos, mesmo nome da mãe, viveu a emocionante aventura de percorrer as trilhas do pai até a aldeia do Alto Xingu, no Mato grosso, onde viveu inesquecíveis emoções ao conhecer o lugar onde o amor entre Cunha e Diacuí Kalapalo floresceu
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Diacuí
Cunha Dutra, filha única e legítima do casal, hoje com 61 anos,
estava acompanhada pelo jornalista e produtor cultural gaúcho
Duclerc Silva, que a ajuda no resgate da memória do pai e na
divulgação da expedição que levou de volta às terras selvagens
onde sua mãe e Cunha viveram, mesmo contra todo o preconceito da
sociedade brasileira da época que o acusava de querer se promover e
de apoderar das terras indígenas. Mesmo assim, o sertanista, que
conheceu Diacuí quando desbravava a selva como integrante do Serviço
de Proteção ao Índio, durante a expedição Roncador Xingu, nunca
desistiu do amor que sentia por ela.
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A inóspita selva do Alto Xingu por onde em 1943, penetrou a expedição que levou o uruguaianense Ayres Câmara Cunha ao encontro daquela que seria o grande amor de sua vida |
Realizada
em 1943, na região do Brasil Central, durante o Governo Vargas, a
expedição que se estendeu até 1949 tinha como missão desbravar
áreas inóspitas da selva de Mato Grosso. Quando encontrou a etnia
Kalapalo, conheceu no meio da floresta e se apaixonou por Diacuí,
foi quando decidiu que ela seria a sua mulher. No entanto, a
incompreensão do romance não partiu do meio selvagem, mas do homem
branco que considerou o caso escandaloso.
Da
selva para a megalópole, no Rio de Janeiro, Aires Cunha levou três
meses para conseguir oficializar o casamento. Diacuí, pela primeira
vez, cobriu a sua nudez e com um belo vestido de noiva e na igreja
da Candelária, em 1952, diante de milhares de pessoas e flashes de
fotógrafos, uniu-se ao homem branco. Os problemas da jovem índia e
do sertanista aventureiro estavam apenas começando. Assis
Chateaubriand, criador da TV brasileira e à época editor da famosa
Revista Cruzeiro, explorou o fato em reportagens seriadas.
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Diacuí, pela primeira vez, cobre sua nudez para unir-se ao amado em cerimônia na civilização do homem branco |
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Um ano depois do casamento, Diacuí morreu, mas a semente do amor florescera na pequena Diacuí, que herdou da mãe o nome e os traços. Cunha abandonou a selva com a menina e a trouxe para a civilização, para Uruguaiana, onde foi criada entre os brancos
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Isso
ajudou a celebrizar o caso e aumentar o preconceito, mas o amor
inusitado superou tudo. Um ano após o casamento Diacui morrera
precocemente, deixando o sertanista com a filha pequena que fora
batizada com o mesmo nome da mãe. Cunha pegou a menina e abandonou a
floresta para vir morar com ela em Uruguaiana, na Fronteira Oeste do
Rio Grande do Sul, na fronteira do Brasil com a Argentina. Na
civilização, nunca mais havia retornado às terras onde sua mãe
viveu
Em
2014, Duclerc Silva esteve na aldeia Matipu, no Xingu e conheceu
familiares de Diacuí ainda vivos, foi quando se materializou a ideia
de promover o encontro da indígena com o seu povo. A aldeia se
interessou e os caciques Arifirá Matipu e Manüfá Matipu, apoiados
pela prima Autuhu Kalapalo Matipu, emitiram convite para ele viajar
até a selva e reencontrar familiares. Diacui então, tomou coragem e
trocou a tranquilidade da casa onde mora na Rua Dr. Maia e se
aventurou na busca de suas raízes. O dia 27 de março de 2015,
ficará assinalado na história cultural do país,foi quando a índia
desembarcou na floresta do Xingu em busca de sua história perdida.
Ela
desembarcou em Canarana (MT) onde estava sendo esperada por mais de
dez índios do Xingu. O relato é de que o encontro foi repleto de
abraços apertados e longos, de olhares furtivos e observadores,
lágrimas de reencontro e a tão sonhada aproximação. Conta Duclerc
que antes de se aventurar selva adentro, o entrelaçamento no hotel
com os peles vermelhas varou a madrugada, mas o amanhecer já
assinalava que era hora de dormir e a jornada até a Aldeia Matipu
seria longa. Horas depois, entraram na floresta e nem a expedição
cansativa diminuiu a ansiedade e a euforia de Diacuí e de seu
amigos.
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Encontro de Diacuí Cunha Dutra com parentes seus, da etnia kalapalo, no hotel em Canarana (MT)
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Os índios kalapalos fizeram festa para receber a caravana de Diacuí e rever a parente que voltara ao lar, exibindo os rituais perpetuados de geração em direção |
Em
breve relato, ela me contou como foi o reencontro com as verdadeiras
raízes dela e de todos nós, brasileiros. “Pra onde eu ia me
seguiam e, curiosos, me tocavam”, me disse Diacuí. Na selva,
comeram carne de macaco que tem sabor de capivara e vários tipos de
purês de farinha. Dormiram em oca ou taba e viveram os momentos mais
mágicos de suas vidas na floresta que serão
relatados em detalhes nas páginas do livro que está sendo escrito
por Duclerc, e em documentário rico em imagens e sons do reencontro
de Diacuí na terra onde nasceu e onde seus pais viveram o mais
incrível romance da vida real.